20 janeiro, 2013

O caráter de Deus

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Há algumas impressões sobre a fé cristã que se tornaram amplamente disseminadas no imaginário dos não-cristão, em certa medida por responsabilidade de uma boa parcela dos próprios cristãos, atráves da promoção de determinadas teologias que se tornaram mais populares ou mais acessíveis, mas que em uma análise minimamente atenta, não encontram o necessário respaldo bíblico de sustentação.
Destaca-se nesse contexto a noção de que Deus é um agente a ser acionado pela fé para atender às demandas dos homens bons sempre que solicitado. Deus aí é quase um gênio da lâmpada a atender desejos. Se Deus não agiu, foi porque a fé da pessoa não atingiu o nível satisfatório para movê-lo de sua posição de mero observador para a de distribuidor de bênçãos.
Por conta disso, surgem também justificativas necessárias para quando o "truque" falha, quando o resultado esperado não é alcançado: Foi falta de fé, foi castigo.

É facilmente perceptível, simplesmente ao ler a Bíblia, o quanto esta "mágica" está distante do discurso bíblico. Sim, porque é algo mais perto da feitiçaria, que busca dominar as forças naturais e sobrenaturais para conseguir alcançar objetivos. Basta observar as palavras do próprio Jesus, às portas da crucificação: "...se possível afasta de mim este cálice, mas que seja feita a SUA vontade" (Mc. 14:36, Lc 22:42) , ou quando o apóstolo Paulo fala sobre o tal do espinho na carne com o qual ele se debatia e sobre o qual disse "...acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim. e disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza." (II Cor.12:9)
São apenas dois exemplos de casos em que um pedido não foi atendido e não podemos dizer que houve falta de fé.

É verdade que a Bíblia está repleta também de passagens que falam coisas como "...se tiverdes fé e não duvidardes...", ou "...tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis..."
Porém, algo importante é deixado de lado, que é mencionado em outro trecho: "Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites." (Tiago 4:3)
Quer dizer, a prática da fé pressupõe também uma sintonia com a vontade de Deus. Deus não pode e não vai entrar em contradição consigo mesmo para satisfazer as mais loucas expectativas que um ser humano é capaz de ter.

É verdade também que, por experiência própria, todos nós poderemos nos lembrar de algo não atendido por Deus, que aos nossos olhos estaria longe de ser algo fútil, ou desnecessário. Porém, o ponto aqui é que o relacionamento com Deus, conforme proposto na escritura, vai muito além de uma experiência baseada no pedir e receber, mas em um vínculo crescente de confiança e sintonia com o caráter pessoal deste Deus.

Por isso, também, temos que ter cuidado com explicações simplórias que dizem que Deus não deu por falta de fé, ou por castigo. A Bíblia diz sobre o caráter de Deus: "...para que sejais filhos do Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos." (Mateus 5:45)  Deus, portanto, pode muito bem estar inclusive proporcionando coisas boas para quem não merece, não para endossar o que estas pessoas fazem, mas justamente para esta pessoa, quem sabe, finalmente ter um vislumbre da bondade divina ou talvez alguns anos mais para que repense alguns de seus valores.

Nesse contexto, a fé à luz da Bíblia, deixa portanto de ter aquele estereótipo de ser um poder de mover objetos, ou de pensamento positivo, uma coisa quase mágica para fazer "Deus trabalhar para nós" e se torna algo totalmente consistente com uma confiança que se tem no caráter desse Deus. É a certeza do controle e das melhores intenções dele em tudo, apesar de tudo e apesar das aparências.

Como em uma ilustração que me ocorreu certa vez, sobre a fé no caráter de Deus:

"A fé não é o que te faz colocar a família no carro e ir à praia
num dia de chuva, na certeza de encontrar o Sol por lá.
Fé é o que te dá a certeza de que o mau tempo não será
suficiente para estragar o momento que Deus preparou para você ali."
Confiar no caráter de Deus é mais do que uma busca por realizar desejos e se livrar de incômodos existenciais. Confiar no caráter de Deus é acreditar em um Deus que se relaciona de forma prática e contínua com o homem. É acreditar que Deus tem prazer em atender os anseios do coração humano, mas que também é soberano na sua vontade e esta soberania se manifesta no que é o melhor para nós, que Ele nunca irá nos deixar em falta, nunca irá nos trair e nunca irá nos decepcionar.

"Conheçamos e prossigamos em conhecer o SENHOR". (Oséias 6:3)


Hamilton Furtado